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Interpretación del Patrimonio

América Latina y el Caribe

Interpretar com justiça: nosso papel na narrativa do patrimônio

Quais vozes contam? Quais paisagens falam? Quais memórias ficaram à margem das nossas narrativas interpretativas?


Se você já atua há algum tempo com a interpretação do patrimônio, sabe que seu trabalho não se resume a transmitir informações. Você não é apenas um facilitador de dados, mas um tecelão de significados. Cada palavra que escolhe, cada história que destaca e cada conexão que propõe molda a forma como as pessoas compreendem o patrimônio… e também como elas o valorizam.


Nesse contexto, Interpretar com justiça não é um conceito abstrato nem um acréscimo moderno: é uma bússola ética que convida você a examinar com honestidade e profundidade o impacto do seu trabalho. Não se trata apenas de ser mais inclusivo; trata-se de garantir que todas as memórias — humanas e naturais — tenham o espaço e a dignidade que merecem.


Compromisso ético com a diversidade

Interpretar com justiça é compreender que o patrimônio está carregado de significados — e muitas vezes também de silêncios. Desde os relatos oficiais que exaltam marcos nacionais até as paisagens onde persistem cicatrizes ambientais, cada elemento interpretado pode reforçar ou desafiar as narrativas dominantes.


Interpretar com justiça requer reconhecer que o patrimônio, tal como o conhecemos e transmitimos hoje, não é uma herança automática ou imediata. Sua definição, seleção e apresentação são profundamente influenciadas por contextos históricos, decisões institucionais e valores sociais que mudaram ao longo do tempo.


Em outras palavras, o que consideramos “digno de ser interpretado” resulta de processos humanos: escolhas feitas por pessoas, em determinados momentos, com base em certos critérios. E nesses processos, algumas histórias ganharam visibilidade, enquanto outras ficaram à margem.


Interpretar com justiça não é simplesmente um chamado para “incluir mais vozes”, mas um convite para repensar de forma integral como compreendemos e apresentamos o patrimônio. 📷 Douglas Ribeiro  https://www.instagram.com/douglasforibeiro/
Interpretar com justiça não é simplesmente um chamado para “incluir mais vozes”, mas um convite para repensar de forma integral como compreendemos e apresentamos o patrimônio. 📷 Douglas Ribeiro https://www.instagram.com/douglasforibeiro/

Compreender o contexto por trás do patrimônio

Autores como Laurajane Smith (2006), Rodney Harrison (2013) e William Logan (2012) destacaram que tanto o patrimônio cultural quanto o natural estão carregados de significados que mudam ao longo do tempo. O patrimônio não é apenas “o que restou do passado”, mas aquilo que a sociedade — por meio de instituições, comunidades ou até mesmo dinâmicas turísticas — escolheu valorizar, proteger e contar. Por isso, interpretar o patrimônio exige consciência, sensibilidade e um compromisso com a justiça patrimonial, que acolha todas as vozes, inclusive (e especialmente) aquelas historicamente marginalizadas.


Reconhecer isso não é questionar o valor do patrimônio, mas sim reforçar sua riqueza: entender que ele está em constante ressignificação e que pode — e deve — ser interpretado de forma mais ampla e, acima de tudo, participativa.


I. Interpretar com justiça: princípios e tensões

Todo elemento patrimonial — seja um sítio arqueológico, uma floresta ou um museu — carrega significados. Alguns exaltam marcos nacionais; outros refletem cicatrizes sociais ou ambientais. Ignorar isso é perpetuar narrativas dominantes sem espaço para o questionamento.


Interpretar com justiça implica:

  • Ampliar o espectro de vozes e memórias representadas.

  • Narrar tanto conquistas quanto feridas do passado.

  • Evitar relatos simplificados e polarizantes.

  • Buscar um equilíbrio entre honestidade histórica e responsabilidade social.


Exemplo: Em um local de memória de uma ditadura, incluir não apenas o relato da repressão, mas também o processo posterior de memória, verdade e justiça.


Interpretar ≠ tomar partido

Interpretar com justiça não significa impor uma visão. Ao contrário, trata-se de criar espaços para o pensamento e a empatia. É um diálogo, onde múltiplas verdades podem coexistir sem confronto.


Interpretar não é tomar partido: é facilitar um espaço para a compreensão, não para o confronto. 📷 Aaron Blanco Tejedor https://ubuntuproductions.fi/
Interpretar não é tomar partido: é facilitar um espaço para a compreensão, não para o confronto. 📷 Aaron Blanco Tejedor https://ubuntuproductions.fi/

II. Ampliando o olhar: patrimônio cultural, patrimônio natural

Durante anos, muitas práticas de interpretação concentraram-se no patrimônio material e cultural: monumentos, objetos, datas. Mas é cada vez mais evidente que essa abordagem é limitada. O patrimônio não se expressa apenas em pedra ou em documentos antigos, mas também em paisagens vivas, em ecossistemas que preservam saberes e em territórios carregados de memória coletiva.


Você, como intérprete experiente, já presenciou isso: há lugares onde cultura, história e natureza estão entrelaçadas de forma inseparável. Lugares onde não se pode falar de cultura sem falar do ambiente, nem do ambiente sem considerar as formas culturais que nele habitam. A justiça patrimonial convida você a assumir esse desafio com compromisso: integrar ambas as dimensões em suas narrativas.

A UNESCO reconhece a inter-relação entre o patrimônio cultural e o natural, destacando que ambos constituem uma fonte insubstituível de vida e inspiração para as gerações presentes e futuras. Essa visão integrada está refletida na categoria de paisagens culturais, definidas como “obras combinadas da natureza e do homem”, que ilustram a evolução da sociedade humana e dos assentamentos ao longo do tempo, sob a influência das limitações físicas e das oportunidades oferecidas pelo ambiente natural. https://whc.unesco.org/en/culturallandscape/

Implicações:

  • Articular processos ecológicos com memórias humanas.

  • Reconhecer a dimensão simbólica e espiritual da natureza.

  • Integrar abordagens interdisciplinares (ecologia, história oral, antropologia...).


Exemplo: Uma floresta pode ser, ao mesmo tempo, um ecossistema biodiverso e um espaço sagrado para uma comunidade indígena. Ignorar uma dessas dimensões é reduzir seu significado.


III. Narrativas complexas sem polarizar

Um dos maiores desafios éticos é como narrar memórias difíceis — colonialismo, deslocamentos, genocídios, desastres ambientais — sem gerar rejeição ou culpabilização.


A chave não é evitar esses temas, mas:

  • Apresentá-los com sensibilidade e contexto.

  • Integrar diversas perspectivas (vítimas, atores institucionais, comunidade atual).

  • Mostrar processos de resiliência, transformação e reconciliação.


Exemplo: Em um local marcado por violência extrativista, não se trata apenas de condenar o passado, mas também de mostrar como as comunidades reorganizaram suas formas de vida diante da devastação.


IV. Rumo a uma prática profissional mais justa

Interpretar com justiça é uma prática contínua, que se atualiza e se aprimora com o tempo. Requer reflexão, colaboração e inovação em todos os níveis.


  • Construção de narrativas inclusivas: Incorpore vozes historicamente excluídas: mulheres, povos originários, afrodescendentes, camponeses, migrantes. Não há uma única versão dos fatos — há muitas verdades que precisam dialogar.

  • Diálogo de saberes: Valorize os saberes locais. As comunidades geram conhecimentos ambientais e culturais há gerações. Uma abordagem dialógica enriquece as narrativas e legitima o processo interpretativo.

  • Trabalho colaborativo: Envolva ativamente as comunidades na construção da narrativa. Não basta “consultar”: a participação precisa ser vinculante e significativa.

  • Avaliação contínua: Revise periodicamente os conteúdos.Pergunte-se:

    • A quem essa narrativa serve?

    • Quem está sendo deixado de fora?

    • Ela promove compreensão ou reproduz tensões?


V. Desafios frequentes (e como enfrentá-los)

  • Conflitos entre narrativas: Facilite o diálogo, não a imposição. O patrimônio não é unívoco: é um território em disputa que deve ser tratado com abertura.

  • Pressão do turismo: Evite cair em narrativas “suaves” que ocultam o incômodo. Um público informado valoriza autenticidade e honestidade.

  • Escassez de fontes: Não se contente com o que está disponível! Pesquise ativamente, consulte arquivos locais, pesquisadores, moradores e guias comunitários. A justiça patrimonial se constrói — não se improvisa.


Interpretar com justiça não é uma escolha ideológica. É parte essencial da ética profissional de quem trabalha com patrimônio. Significa reconhecer a diversidade, integrar o cultural e o natural, dar visibilidade tanto às luzes quanto às sombras da história e oferecer narrativas completas, honestas e respeitosas.


Porque, no fim do dia, nossa tarefa como intérpretes não é apenas informar: é cultivar a empatia, o diálogo e o entendimento mútuo. Em tempos de complexidade, precisamos mais de bússolas éticas do que de certezas absolutas.



Referencias

Harrison, R. (2013). Heritage: Critical Approaches. London: Routledge.

Logan, W. (2012). Cultural Diversity, Cultural Heritage and Human Rights: Towards Heritage Justice. International Journal of Heritage Studies, 18(3), 231–244.

Smith, L. (2006). Uses of Heritage. London: Routledge.

UNESCO (s.f.). Cultural Landscapes. Disponible en: https://whc.unesco.org/en/culturallandscape/

Waterton, E. & Smith, L. (2010). The Recognition and Misrecognition of Community Heritage. International Journal of Heritage Studies, 16(1–2), 4–15.




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