A Zona de Tolerância: E se eles não “entenderem”?
- Gabby Plumasseau
- 11 de jun.
- 5 min de leitura
Atualizado: 12 de jun.
Sejamos sinceros: quase todo intérprete já passou por isso. Você se empenha ao máximo para criar uma experiência temática bem elaborada. Gera suspense, usa a metáfora perfeita e até inclui o som de um trovão distante. E aí, alguém se aproxima e solta algo completamente fora do contexto como: “Foi incrível! Não sabia que os romanos tinham inventado a quinoa.” 😶🌫️
É exatamente nesses momentos que o conceito da Zona de Tolerância de Sam H. Ham deixa de ser apenas útil... e se torna indispensável.
Compreender a nossa zona de tolerância — tanto pessoal quanto institucional — não é só uma questão filosófica. É também uma ferramenta essencial para planejar, avaliar e agir com consciência ética.
No livro Interpretation: Making a Difference on Purpose, Sam Ham investiga o que realmente significa ter sucesso como intérprete. Não se trata de fazer com que todos repitam exatamente o seu tema ou memorizem cada fato apresentado. Trata-se de compreender qual margem de interpretação você está disposto a aceitar — e o que fazer quando as mensagens que o público leva não chegam nem perto do que você imaginava.

Então, vamos direto ao ponto. Seja interpretando sítios arqueológicos ou cultura pop, é muito provável que seu público não saia com a mesma mensagem... e isso não precisa ser um problema.
Primeiro: vamos redefinir o sucesso
Muitos de nós (ainda que não admitamos) carregamos a noção de que o sucesso acontece quando as pessoas “captam a mensagem”. Mas Ham inverte essa ideia. Segundo seu modelo, provocar é melhor do que instruir (e sim, lembre-se também dos princípios de Tilden), e o significado não é algo que se transmite, é algo que se constrói em conjunto.

Sob essa perspectiva, uma experiência interpretativa é bem-sucedida não quando o público repete palavra por palavra o nosso tema, mas quando começa uma conversa interna. Quando, como disse George Herbert Mead, “conversam consigo mesmas” para dar sentido ao que viveram. O que buscamos são respostas pessoais que ainda estejam alinhadas com nossa temática. Se ouvirmos algo que nos faça sorrir ou concordar com a cabeça, provavelmente está dentro da zona.
Mas se esse é o objetivo, precisamos fazer uma pergunta fundamental: Que tipos de significados estamos realmente dispostos a aceitar? É aqui que a Zona de Tolerância entra em ação.
Por que a mesma experiência gera interpretações tão diferentes?
Em resumo: esquemas mentais (não, não é nome de banda — são conceitos da psicologia).
Esquemas mentais são estruturas moldadas pelas nossas experiências, cultura, valores, conhecimentos e até nosso estado emocional. Eles determinam o que percebemos, o que nos importa e como conectamos novas informações com o que já sabemos.
Por isso, você pode oferecer um programa maravilhoso e ainda assim uma pessoa vivê-lo de forma profundamente espiritual, outra interpretá-lo como um chamado à ação, e uma terceira apenas achá-lo divertido. Cada um filtra à sua maneira.

Esquemas determinam o que se observa, se lembra ou se ignora.
Influenciam no que é considerado interessante, chato, útil ou irrelevante.
E por isso os significados finais variam tanto.
Como intérpretes, tentamos criar conteúdos que conectem com esses esquemas. Mas é preciso aceitar uma realidade: o esquema sempre tem a palavra final. Tudo que apresentamos passa por esse filtro. E a diversidade interpretativa não só é inevitável... às vezes, é exatamente o que desejamos!
Devemos reconhecer: a divergência interpretativa é inevitável.
As três Zonas de Tolerância, segundo Ham
Dependendo de seus objetivos, você pode estar atuando — conscientemente ou não — em uma dessas três zonas:
Zona Sem Restrições

Nesta zona, o objetivo principal é provocar o pensamento, e não transmitir um ponto de vista específico.
A variedade de interpretações não só é bem-vinda, como desejada.
Ideal para temas complexos, dilemas éticos ou experiências que desafiam ideias pré-concebidas. Pense em debates ou narrativas que incentivam a introspecção.
🗨️ Tema ejemplo: Exemplo de tema: “Este assunto é complexo. Que significado isso tem para você?”
2. Zona Ampla

Este é o território mais comum entre intérpretes de patrimônio, conservação e turismo. Você quer que o público chegue às próprias conclusões, mas dentro de um enquadramento positivo, apreciativo e alinhado com certos valores.
As interpretações podem variar, mas dentro de certos limites. Você inspira o público de forma sutil, sem impor.
🗨️ Exemplo de tema: “Esta paisagem guarda histórias que merecem ser protegidas.”
3. Zona Estreita

Aqui, o foco está em comunicar um conteúdo específico. É comum em contextos educativos, campanhas de segurança ou ações que exigem mudança de comportamento.
Há objetivos bem definidos de aprendizagem ou gestão. O pensamento crítico é bem-vindo, mas espera-se também uma compreensão precisa — especialmente quando estão em jogo a segurança, recursos ou reputação institucional.
🗨️ Exemplo de tema: “O armazenamento inadequado de alimentos atrai ursos e coloca todos em risco.”
Um intérprete provavelmente teria muitos ZOTs (não apenas um "pessoal"), dependendo do que espera alcançar com um produto interpretativo específico. Sam Ham.
E se o público entender errado?
Vai acontecer. Interpretar é como quando sua mãe te chama pelo nome do cachorro, depois o do seu irmão, depois o da filha da vizinha... até chegar no seu. Mensagens misturadas existem. Mas Ham nos lembra: isso não é um erro — é um retorno. E acredite, eu também ainda estou aprendendo a recebê-lo com leveza. Você não está sozinho(a).
Ham propõe uma técnica simples e eficaz chamada thought listing (lista de pensamentos). Não exige nada sofisticado: basta perguntar “O que isso te fez pensar?” ou “O que mais te chamou atenção?”
As respostas revelam o verdadeiro impacto da sua interpretação. Se a maioria está dentro da sua zona de tolerância — ótimo! Você está no caminho certo. Se não, talvez seja hora de revisar o tema, ajustar o enfoque ou identificar quais sinais podem ter levado o público para outro rumo.
O lado ético (sim, é fundamental)
Aqui a coisa fica ainda mais interessante. Quanto mais estreita sua Zona de Tolerância, mais você entra no campo da persuasão — e isso inevitavelmente levanta questões éticas.
Ham é direto: intérpretes também têm uma agenda. Queremos que as pessoas sintam, entendam, ajam. Mas isso traz uma grande responsabilidade.
Se a sua narrativa busca influenciar o pensamento do público, certifique-se de que isso está a serviço do bem comum ou do recurso interpretado — e não do seu ego. 💥
E sim, você sabe do que estou falando: aquele momento em que a interpretação vira pregação ou propaganda. No melhor dos casos, não funciona. No pior, gera desconfiança e rejeição.
Por isso é essencial se perguntar: Estou guiando ou ditando? Persuadindo ou manipulando?
Reflexão final a partir da zona
Você não é apenas alguém que constrói temas ou compartilha informações. É um provocador de pensamento, um facilitador de sentido, um curador de contexto.
A Zona de Tolerância de Sam H. Ham nos lembra que sucesso não é necessariamente fazer o público ver o que nós vemos — mas fazê-los ver algo que realmente lhes importe.
Portanto, vá em frente: construa seu tema com cuidado. Defina sua zona com honestidade. E depois... permita-se surpreender pelo que o público levará consigo.
Ham, S.H., 2013. Interpretation: Making a Difference on Purpose. Fulcrum Publishing.
Larsen, D., 2003. Meaningful Interpretation. U.S. National Park Service.




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